terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

De saudade infinda.

Dona Amélia sempre pedia o fundinho da lata de doce quando Seu João fazia bolo. Algumas vezes com um beijo na testa e outras com uma discussão ele entregava a latinha em suas mãos, com o passar dos anos ele se acostumou a deixar no fundo o pouquinho e ela nem precisava mais lhe pedir. Dona Amélia torcia a nariz e falava insatisfeita "ridico!", que é daquele jeitinho que os antigos usam para falar quando alguém foi miserável, pegava a latinha e deixava ele rindo lá atrás.
Era domingo e, como em todos os domingos, Seu João estava na cozinha. A latinha estava lá como sempre, mas a senhorinha não, com um sorriso triste no rosto lavou a lata e se lembrou o que lhe demorava a semana inteira para esquecer e no entanto os domingo teimavam em lembrar: os fundinhos seriam eternos e ninguém mais diria que ele estava ridicando.

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Sobre o sonho.

Uma vez quando criança perguntei para o meu pai se existia uma casa número um, minha cabeça pequena não assimilava a lei e a (des)ordem que aqueles números tomavam enquanto o carro corria meio apressado pelas ruas.
Queria eu morar na casa um. Queria eu morar com ela na casa um. Queria eu vê-la sorridente no seu vestido azul sempre que pudesse. Queria eu não ter deixado para trás tanta coisa. Mas não deixei ela, isso não. Deixei para trás as vozes que me rodeavam, que me davam segurança do imutável, mas ela não. Ela que de tão miúda e doída parecia que ia explodir por carregar tanto dentro de si. Tão pequena com aqueles olhos de veludo, duma cor que dava pra mergulhar e se perder para sempre sem querer voltar. Queria eu amá-la nos dias em que a amava, e também nos dias em que não. Mas acima de tudo, queria eu não esquecê-la, nem para sempre e nem mesmo por um mísero instante. Queria eu não perdê-la, uma vez que perdida já estava dentro dos teus olhos.Trocava para sair, deixando a janela propositalmente aberta para que pudessem espiar a felicidade dançando com ela lá dentro, carregava uma rosa vermelha que eu sabia que de nada rosa era, era consolo, era solidão. Perguntei se me acompanharia ao café e ela disse um não, seus olhos polidos se desculpavam, e assim eu entendi que a rosa era mais do que devia. Ela menina morava na rua do amor na casa um, ela que de noitinha saía com fitas no cabelo e com o universo inteiro pulsando como coração. Entendia sem nem precisar de explicação, e nem mesmo pedira uma. E agora, mesmo sabendo que pouco tempo se passara desde que a vi verdadeiramente pela primeira vez, não sabia mais não tê-la como minha, e não sabia também como não zelar para que as rosas não murchassem em suas mãos.