domingo, 24 de maio de 2015

Abandono.

Naquele quarto o passado me atropelava. Naquele quarto cheio de fantasmas, todas as lágrimas que não me permiti até hoje me mostraram tudo o que abandonei pra poder fugir e me permitir ser. Por todo o egoísmo de ter medo e ainda assim querer ser. Tantas marcas daquele quarto que agora parece pequeno demais pra mim, onde eu me perco na minha própria tristeza. E tudo o que eu fui, todas as saudades e todo o futuro que me amedronta.
O peso do abandono, da solidão de outrem. Naquele quarto eu senti toda a sua solidão quando olhei aquelas marcas, cada pedacinho deixado lá pra te lembrar dos que já foram e dos que não querem mais voltar. Toda a dor de ver que você agora é só, que talvez sempre tenha sido. Que eles vão embora e você fica. Só.
Eu fui embora e abandonei pelo medo de nunca conseguir viver.
Agora sou só. Lá. E você. Aqui.
Nesse quarto, com tantas dores, dores que são grandes demais. Que talvez não exista mais ânimo, que as tuas perspectivas possam ter morrido e você precise sobreviver das lembranças, desse quarto que você deixa intocado, com as marcas de todas as pessoas que passaram e te deixaram. Só.

terça-feira, 29 de abril de 2014

pirar

Essas dores emocionais virando dores físicas e essa vontade de sumir cada vez mais frequente dizendo pra ir embora antes de pirar.

É preciso
sair
de toda essa
merda

É preciso, muito preciso
sair, fugir, correr
deixar pra trás
todo esse bolo sentimental
sem sentido algum

É provável, muito provável
que você não deva ir
embora
só porque não consegue
aguentar

É preciso que se precise
chorar
partir
deixar
antes que tudo d e s
                            m
                               o
                            r         o
                                 n
                                     e
e você morra
soterrado
nessa merda toda que você mesmo aprontou.




sábado, 19 de abril de 2014

Fuga

Vontade de ir embora. De novo. De novo.
É mais fácil partir depois que você já fez. Uma vez. Duas. Três.
Ir embora sempre parece a resposta quando todos os seus fantasmas te seguem, incessantes, acessos. Vagalumes que piscam como olhos te lembrando que fugir não adianta. Mas você vai. De novo. Outra vez. Segue achando que agora, finalmente, pode começar do zero. Mas não pode.
Quando parece que te aperta lembrar que o seu mundo é você. Você vive preso. As árvores não te salvam dessa vida cheia de gente onde se vive sozinho.

Você escapa. Um minuto ou dois. As cores são bonitas e eles são seus amigos. Você se encontra. Você se perde. As cores te chamam e você já não sabe mais o porquê. Num momento parece que tudo se resolve quando for embora. Seu lugar de paz intocável onde pode sentar e lembrar de todas as tardes que quis exatamente o que tem agora.

Seus fantasmas são você. Você foge de si mesmo. Os olhos cheios de lágrimas, o desespero saltando da boca. O peito aperta e você não consegue esquecer. O toque queima na pele e o toque que nunca veio.

Não há mais do que fugir. Não há nada mais o que encontrar.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Engano

Acordou de um sonho que preferia esquecer; cabelo grudado na cara pelo suor, os barulhos da manhã batendo na janela e querendo entrar. Alice passou o dia todo transtornada por um sonho simples, só que mais vivo do que sua própria vida.
Depois de um tempo ela esquecera, esqueceu a voz, esqueceu os agudos e até a risada. Esqueceu o rosto, a tonalidade dos olhos, esqueceu a cor exata do cabelo dela ao sol. Via seu rosto como via tudo assim que acordava e antes de colocar os óculos. Podia reconhecer, podia sentir falta, mas não sabia mais dos detalhes. Ela não sabia se achava que sentia falta ou se sentia de verdade. Não sabia se sentia falta por não lembrar mais de quase nada ou porque queria lembrar. Mas naquele sonho, tão nítido e real, ela lhe falava de perto, sentiu sua risada como uma onda de calor percorrendo todo o corpo e terminando com um arrepio. Lembrou do rosto, da voz e de uma mania há muito esquecida.
Alice agradeceu baixinho por não ter sentido todo aquele mar de emoções que a tomavam sempre que lembrava daqueles olhos azuis e da franja cortada rente aos olhos. Permitiu rir timidamente ao lembrar do tique dela de arrumar o cabelo para o lado direito. Permitiu rir de todas as coisas e não se sentiu tão triste. Sentiu saudade e não mais tristeza.
Foram dois anos difíceis para ela, mas naquela manhã, ao lembrar de tudo isso, se sentiu diferente de tudo o que havia sido até então. Não era como se tivesse alcançado algum tipo de liberdade. Sabia que a liberdade que queria era pura utopia. Finalmente sentiu como se pudesse viver algo. Estava leve, muito assustada, mas seus pés não pesavam tanto e as dores do passado não iriam mais a acordar de noite. Aquele rosto desfigurado com a voz rouca era agora uma pessoa completa, e ela precisava ser uma também.
Descobriu então que não havia amado. E que não podia continuar a se enganar.

sábado, 25 de janeiro de 2014

Andei dormindo demais

Dormia até você voltar, até o desespero passar e eu poder dizer que tudo estava bem de novo.
Esses dias eu estava agradecida por ter tudo acabado. Sinto que eu vivia num passado que não era meu e que não faz falta porque parece outra vida, outra pessoa, outras dores. 
Dormi de novo porque parecia mais fácil do que viver e ter que enfrentar qualquer coisa. 
Agora parece que não tem ninguém. Que nem todo o perdão é suficiente. Parece também que nem toda a presença apaga esse rastro de solidão.
Tive medo de estarmos perdidos. Mastiguei meu medo tinha gosto de culpa.

O ouvido estoura e o zumbido fino me envolve por todos os lados antes de acordar: andei dormindo demais. 

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

pessoístico

Ando sentindo saudade de tudo
     de mim e do mundo
                  e de todas as coisas

elas continuam aí
          assim como estavam ontem
                                       e anteontem

só não são as mesmas
        que eram

nem eu sou a mesma
                                  quando olho para elas

   um momento
                      e logo em seguida
já não é mais.

                                                  E o agora é algo que nunca mais será.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Rotina

Já não sei mais se sou eu quem vive aqui. Inquieta. O constante nó que carrego na garganta me sufoca na tentativa de conter o choro.
Particularmente hoje, nada faz sentido. Nenhum momento até agora parece se encaixar ao que espero de mim.
A rotina me pressiona, pouco a pouco. O medo que cresce em mim é proporcional à apatia dos meus dias.
Sem mais tristeza de um passado que, esquecido, não sei se me pertence. Sem mais saudades, de acordo com o entendimento que se instala em mim - nada voltará.
Há tempos não sinto mais a solidão que me enfraquecia. Em razão disso, abandonei as contínuas companhias que cresciam no meu peito como ervas daninhas, contagiando-me com a sensação de abandono. Por muito tempo, o que acreditava ser o meu remédio, só me envenenava mais.
Angustiada, andava em constante desespero, em busca de presenças externas que apaziguassem a falta que sentia de mim. Ainda sinto.
Caminho agora em busca de me encontrar, talvez por aí, em qualquer lugar, para que a falta não seja tão corriqueira. Para que eu não tenha mais que preenche-la com vícios.